Jorge Costa: o «Bicho» que respirava FC Porto (de onde nunca saiu mesmo saindo)

Como jogador, no FC Porto:
«A equipa estava muito apática. Eu aproveitei para os acordar. Não estava a conseguir dentro do campo, cheguei ao intervalo e, aí, fui talvez das vezes mais agressivo de toda a minha vida. Acabei por fazê-lo de uma forma natural, porque estava mesmo irritado, preocupado. E foi giro, porque o Mourinho ia a entrar, calou-se, deixou-me falar. Quando eu me calei, ele entrou e foi: “Sai este, entra aquele…” e faço dois golos. Enganei-me (risos).»


Como treinador, contra o FC Porto:
«O Pepe deve-me ter confundido com o Loum. Se fosse o Rafa, jogador do Benfica, pedia-me desculpa. Deve-se ter esquecido de quem sou, do meu passado e do meu presente e a imagem que sou neste clube.»
O FC Porto tem muito de Jorge Costa. Jorge Costa era (e respirava) FC Porto. Ou melhor: é FC Porto. Porque, apesar da ausência física, como assinalou o antigo árbitro, Duarte Gomes – que na segunda-feira o encontrara «casualmente» numa área de serviço – «os grandes nunca morrem».
E talvez o episódio (contado num programa do clube) em que foi falar ao balneário no Restelo, a 19 de outubro de 2003, deixando o treinador José Mourinho do outro lado da porta para começar aí a reviravolta (de 1-0 para 1-3) ante o Belenenses, diga muito do caráter competitivo de Jorge Costa, que nesse jogo até fez um raro bis enquanto jogador.
Como também dizem disso – e da sua ligação ao FC Porto – as declarações a 10 de maio de 2021 enquanto treinador do Farense, após um jogo no Dragão e de uma troca de palavras com Pepe, outra grande referência dos dragões.
Jorge Costa foi o capitão. O líder, que não raras vezes falava com o olhar. O «Bicho», como começou por ser chamado por Fernando Couto, pela sua «entrega». Dos treinos aos jogos. Do FC Porto à Seleção. É uma das grandes figuras da história do futebol do FC Porto. E não é por acaso que é um dos poucos a ter uma estátua no museu dos azuis e brancos.
Foi amado sobretudo pelos portistas, que nele viam a personificação dos valores do FC Porto e de uma região. E se é verdade que saiu do FC Porto mais do que uma vez, de si o FC Porto não saiu. E vice-versa.
Mas também não sai da história dos rivais, onde respeitou e encontrou também respeito na diferença: ilustra isso a forma célere como Benfica e Sporting – e tantos outros clubes – reagiram à partida de Jorge Costa. E como Rui Costa, presidente do Benfica e antigo colega de quarto nos tempos da Seleção, lembrou o «grande profissional» e o «grande amigo» que ali teve.

Da lesão que o “tirou” do voleibol aos 21 títulos como dragão
A história no FC Porto começou a ser escrita com três épocas na formação do clube, de 1987 a 1990. Chegava à Constituição e à formação de um FC Porto acabado de tornar-se campeão europeu, depois dos primeiros toques no Campo da Ervilha pelo FC Foz.
Neste percurso, Jorge Costa somou 21 títulos pelo FC Porto, oito deles na Liga. É, de resto, um dos seis nomes dos cinco títulos do “penta”, de 1994 a 1999, ao lado de Aloísio, Drulovic, Paulinho Santos, Rui Barros e António Folha e com Bobby Robson, António Oliveira e Fernando Santos ao leme. Juntam-se a isso cinco Taças de Portugal, cinco Supertaças e, já depois do seu regresso, as conquistas da Liga dos Campeões, da Taça UEFA e da Taça Intercontinental, antes de ter acabado a carreira no Standard Liège, em 2005/06.
Um ano depois de ter sido campeão do mundo sub-20 por Portugal, Jorge Costa começou a sua história na equipa principal do FC Porto em 1992/93. E que início! Sem Aloísio e Fernando Couto, Carlos Alberto Silva lançou Jorge Costa no FC Porto-Estoril em Coimbra: vitória por 1-0… e golo do «Bicho».
Até se tornar titular indiscutível, foram precisas quatro épocas e houve contratempos: três lesões graves nos joelhos, ausência do Euro 1996, dúvidas sobre continuar a jogar, mas também superação para voltar antes do tempo previsto, para ajudar o FC Porto e a Seleção A, que representaria no Euro 2000 e no Mundial 2002 (e por um total de 50 vezes, com dois golos).
Em 1996/97, ficou para a história um episódio num FC Porto-Milan (1-1) para a Liga dos Campeões com George Weah, Bola de Ouro no ano anterior. Acusado de alegados insultos racistas, o português foi agredido no nariz com uma cabeçada no túnel das Antas, no final do jogo. Isto depois de, no jogo em Itália (vitória do FC Porto por 3-2), dois meses antes, Weah ter saído de campo após um pisão de Jorge Costa na sua mão.
Mais tarde, a época 2001/02 teve outro marco forte na carreira: desavenças com o treinador Octávio Machado e a perda de influência e da braçadeira levaram a meio ano de empréstimo ao Charlton, que esteve para acionar a opção de compra. Porém, José Mourinho foi peça-chave para o regresso. Para mais três anos em que se destacaram as conquistas internacionais: o «Bicho» ergueu a Taça UEFA em Sevilha, o troféu da Champions com Vítor Baía em Gelsenkirchen e a Taça Intercontinental ao lado de Costinha.
Jorge Costa e Vítor Baía levantam troféu da Liga dos Campeões ganha pelo FC Porto em 2004 (Shaun Botterill/Getty Images)
Seguiram-se cerca de 17 anos como treinador. Em Portugal no Sporting de Braga, Olhanense (campeão da II Liga em 2008/09) Académica, Paços de Ferreira, Arouca, Farense, Académico de Viseu e AVS. No estrangeiro, por Cluj – onde foi campeão em 2011/12 – e Gaz Metan (Roménia), AEL Limassol e Anorthosis (Chipre), seleção do Gabão, CS Sfaxien (Tunísia), Tours (França) e Mumbai City (Índia). Pelo meio, já tinha sofrido um enfarte, em 2022.
Ao percurso como treinador, terminado com a subida à Liga pelo AVS, seguiu-se o tão esperado regresso ao FC Porto, onde cresceu e venceu como jogador e onde era diretor do futebol profissional na administração de André Villas-Boas. Ainda festejou uma Supertaça com Vítor Bruno e vivia dias intensos, na transição de um domingo de emoções fortes no jogo de apresentação e na antecâmara do início da Liga.
Era mais um dia de Jorge Costa e do portismo que vivia, respirava e sentia. E que já foi assinalado por instituições, clubes, antigos e atuais treinadores, jogadores e adversários. Do «melhor amigo» no futebol, Sérgio Conceição, até José Mourinho. Agora fica o legado de alguém que, numa de muitas entrevistas, disse ser, entre a bravura dentro de campo, alguém «educado» e «uma pessoa com princípios».
E, como está plasmado por estas horas no ecrã gigante do Dragão, virado para o exterior, uma sua frase: «Aconteça o que acontecer, faço parte da história do meu clube do coração».

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