Idade de reforma justa


A proposta de lei apresentada pela Assembleia Regional dos Açores, visando assegurar uma idade de reforma mais justa para os trabalhadores açorianos, voltou a colocar no centro do debate nacional a questão das desigualdades territoriais que persistem em Portugal. O parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República é injusto e deveria constitui mais um passo num processo profundamente humano, do direito a envelhecer com dignidade.
A redução da idade da reforma é justificada pela pretensão açoriana com dados demográficos que dificilmente podem ser ignorados. A esperança média de vida nos Açores é cerca de dois anos inferior à verificada no continente, uma diferença que não é apenas estatística, mas socialmente significativa. Num país que se pretende coeso e atento às realidades específicas das suas Regiões, não faz sentido aplicar de forma rígida critérios uniformes que desconsideram contextos marcados por assimetrias históricas.
O argumento de que “uma carreira contributiva é igual em qualquer parte do país” não resiste à prova da realidade. É certo que o sistema nacional de pensões assenta num princípio de universalidade; contudo, universalidade não é sinónimo de cegueira. Trabalhar nos Açores implica, para muitos, uma vida laboral mais dura, condicionada por economias fragilizadas, maior dependência de setores fisicamente exigentes, que afetam a saúde, o rendimento e a esperança de vida.
A própria Constituição da República reconhece a necessidade de proteger as Regiões Autónomas e de atender às suas especificidades. Se tal reconhecimento existe no plano político e jurídico, porque hesitar em concretizá-lo numa matéria tão essencial como a segurança social? Argumenta-se, por vezes, que uma redução regionalizada da idade da reforma criaria um precedente perigoso ou abriria portas a reivindicações semelhantes noutras zonas do país. Porém, esta preocupação ignora o que deveria ser fundamental que é legislar de acordo com a justiça de como se vive nos Açores.
Além disso, a proposta apresentada não surge no vazio. É sustentada por estudos comparativos, por indicadores demográficos e por uma avaliação séria do impacto orçamental. Mais ainda: pretende corrigir uma desigualdade sem desestabilizar o sistema. Ao contrário de outras reivindicações, esta não nasce da pressão conjuntural, mas de um diagnóstico de longa duração.
É também importante notar que o envelhecimento ativo, tão valorizado pelos decisores políticos, não pode servir de argumento para obrigar trabalhadores exaustos a permanecerem no ativo para lá das suas capacidades, porque promover o envelhecimento ativo significa criar condições de saúde, bem-estar, participação e qualidade de vida, não prolongar carreiras profissionais de forma indiferenciada. No caso dos Açores, a realidade mostra que muitos cidadãos chegam aos 60 anos já com um historial de doenças crónicas que refletem justamente a dureza de determinados sectores laborais e a menor acessibilidade a cuidados especializados.
Assim, a discussão sobre a idade de reforma nos Açores não é apenas técnica, nem sequer primordialmente económica, é uma discussão sobre equidade. Tratar de forma igual o que é desigual é uma forma de injustiça. Reconhecer diferenças e legislar em conformidade é um exercício de maturidade política.
Se a Assembleia da República pretende, de facto, garantir que a autonomia é mais do que um conceito constitucional, tem agora uma oportunidade concreta para o demonstrar. Uma idade de reforma justa para os Açores não é um privilégio, é uma exigência de coerência e de respeito pelos cidadãos que, diariamente, constroem o país a partir das suas ilhas.

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