O Comodato


O Sr. António durante toda a sua vida guardou e conservou os bens da família Doe. Com o seu falecimento, o filho afigura-se o candidato natural para continuar o legado do pai, mas a família Doe divide-se. Apesar de não colocarem em causa a sua idoneidade, trata-se de uma pessoa distinta do pai, com quem o falecido casal Doe nunca formalizou a relação existente, por ser de confiança e duradoira e consentânea com os propósitos estabelecidos verbalmente.
A palavra não pareceu ser suficiente quer para os herdeiros do casal Doe, quer para o filho do Sr. António, para dar o mote à continuação da relação que os pais dos novos intervenientes tiveram ao longo de mais de cinco décadas.
A formalização do contrato de comodato surge assim como a solução para formalizar esta relação jurídica. Encontra-se definido no Código Civil como sendo um contrato onde uma das partes (comodante v.g. proprietário) proporciona a outra (comodatário), o gozo temporário de uma coisa (móvel ou imóvel), mediante entrega, com a obrigação de a restituir.
Ao contrário do contrato de arrendamento, por exemplo, o contrato de comodato é um contrato gratuito, onde não existem, a cargo do comodatário, prestações que constituam o equivalente ou o correspetivo da atribuição efetuada pelo comodante. O contrato envolve obrigações, não só para o comodatário, mas também para o comodante.
Assim, a gratuitidade do comodato não elimina a possibilidade de o comodante impor ao comodatário certos encargos (chamadas cláusulas modais), apesar do comodato ser geralmente um contrato feito no interesse do comodatário.
A entrega da coisa ao comodatário tem por fim o uso desta, para os seus fins lícitos, dentro da função normal das coisas da mesma natureza e não da atribuição do direito de fruição.
O comodante só responde pelos vícios de direito ou da coisa expressamente, se tiver responsabilidade ou tiver procedido com dolo.
Já o comodatário tem como obrigação guardar e conservar a coisa emprestada. Esta obrigação corresponde, de certa forma, à do locatário de pagar a renda ou aluguer. Por guardar entende-se vigiar a coisa e evitar que ela seja subtraída ou danificada por terceiros, não impedindo que ele cumpra este dever socorrendo-se à colaboração de terceiros; e conservar refere-se à obrigação de praticar as medidas necessários à manutenção da coisa. A duração do contrato de comodato pode ser estabelecida livremente por acordo das partes, desde que o fim a que a coisa se empresta seja lícito. No caso de o contrato estabelecido por ambas as partes não indicar o prazo, mas determinar o uso, o comodatário deve restituir a coisa ao comodante logo que o uso finde. Já no caso de o contrato não ter indicação de um prazo certo nem uso determinado, o comodatário é obrigado a restituir a coisa logo que lhe seja exigida pelo comodante. Os herdeiros dos anteriores comodantes (casal Doe) e do comodatário (Sr. António) puderam assim à luz da lei, colocar sob a forma de contrato de comodato o gozo das propriedades e de outros bens móveis, onde espelharam todos os direitos e deveres recíprocos.

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