Rumores e terra queimada, até que ponto valem?


Em determinada empresa em que trabalhei em Portugal, lidando no meu departamento com maquinaria e materiais de construção, éramos campo apetecível para roubos pelo imenso trânsito de coisas e pessoas ao longo do dia.
O controlo era apertado mas nada seria impossível. Certa altura começámos a notar o desaparecimento crescente de materiais, lubrificantes, peças e outros objetos, até ao ponto onde se tornou preocupante pela impossibilidade de detetarmos a causa desses desaparecimentos. Aqui a natureza humana entrou em ação, as antipatias tomaram rédeas do assunto e o apontar de dedos mútuos começou a tomar conta da situação.
Da equipa que me estava encarregue, um dia um dos meus subordinados pediu para falar comigo à parte e informou-me de sérias desconfianças em relação a um individuo, trabalhando em outra equipa através de contratação por subempreiteiro. As conversas com supostas denúncias eram imensas pelo que foi com muita prudência que o ouvi até ao ponto onde ele assinalou alguns aspetos que me preocuparam.
O membro da minha equipa que me assinalou esta situação era da minha inteira confiança, pessoa nascida e criada em meio rural, vivaz e com a esperteza atenta e subtil das gentes do interior, aspetos que eu conhecia bem da minha vivência, sem contudo esquecer também o lado passional típico português da antipatia recorrente que tolda o julgamento. Mas havia informações novas que me preocuparam.
Convidei o meu colega que geria a outra equipa, pessoa com mais experiência do que eu, mais idade, calma e também e minha confiança.
Conferenciámos os dois depois de ter ouvido o meu subordinado relatar o que vira.
Pela quantidade de cigarros que o meu colega consumira eu vira que ele ficara preocupado. Combinámos ficar em silêncio que ele tomaria a coisa em mãos do lado dele para esclarecer o que se passava. Daí a uma ou duas semanas acabariam por terminar o contrato com o sujeito em questão, depois de o terem abordado a transportar caixas das nossas instalações para a sua viatura fora de horas. Tudo voltara ao normal, os roubos e desaparecimentos misteriosos terminavam. Imaginem agora o que seria se deixasse os rumores tomar conta da situação e enveredássemos pela política de terra queimada?
Quantos inocentes poderiam ser penalizados de forma injusta?
Este exemplo pessoal pretende elucidar sobre a minha forma de ver a situação no partido liberal do Québec.
Há rumores; há despedimentos não explicados nem aos próprios; há notícias estranhas de conversas não identificadas entre pessoas não identificadas mas associadas, por rumores, a determinadas pessoas; há processos menos éticos mas perfeitamente legais nas eleições das chefias internas de partidos.
Há agora a judicialização de todo o processo, com advogados envolvidos. Mas algo que me choca particularmente é como o público aceita e defende uma notícia no Journal de Montréal de uma conversa que não identifica os intervenientes, com rumores à mistura que envolvem duas deputadas que entretanto já negaram e já se armaram com advogados.
Bem sei que este tipo de notícia é uma maravilha para entreter novelas nos media, mas nada traz de informativo e arrasta o nome de múltiplas pessoas pela lama, que podem ser vítimas inocentes.
E uma coisa é certa: uma vez a desconfiança instalada, é difícil ser removida e a vida profissional dessas pessoas pode ficar irremediavelmente manchada, mesmo que se venham a revelar inocentes.
A opção dos órgãos de comunicação social à divulgação de notícias sem factualidade consistente está a seguir os passos de outros intervenientes residentes principalmente nas redes sociais onde se espalham teorias da conspiração, factos falsos ou pior ainda, por confundir mesmo os de bom senso, apresentação de verdades de uma forma a levar a interpretações falsas da realidade ou a julgamento erróneo de pessoas e instituições.
Saudades do bom jornalismo de outra época.

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