Netos de Aristides de Sousa Mendes abdicam de indemnização mas garantem reconhecimento da verdade
Quatro netos de Aristides de Sousa Mendes desistiram da indemnização de cem mil euros pedida em tribunal, mas obtiveram o reconhecimento formal, por parte dos réus, de que o antigo cônsul de Bordéus nunca vendeu vistos a refugiados e de que os seus descendentes não desviaram quaisquer fundos atribuídos pelo Estado.
O processo, iniciado em 2019, foi movido contra o jornal O Diabo, dois antigos diretores e dois autores de artigos que, segundo a família, recorreram a “deturpações e ocultações de factos históricos” para denegrir a imagem do diplomata, insinuando que Aristides de Sousa Mendes “era uma fraude inventada para atacar Salazar”.
Após um litígio prolongado — marcado pela morte de um dos principais visados, o antigo embaixador Carlos Fernandes, e pela substituição do juiz responsável, o que obrigaria a repetir várias sessões já realizadas — as partes acabaram por chegar a um acordo. Apesar de não corresponder integralmente às exigências iniciais, os netos consideram que “o essencial” foi alcançado.
O ponto de partida: artigos polémicos
A disputa teve origem em vários textos publicados no jornal O Diabo e replicados em blogues, centrados numa entrevista ao embaixador Carlos Fernandes, por ocasião do lançamento do seu livro Cônsul Aristides de Sousa Mendes – A Verdade e a Mentira.
Nessa entrevista, o diplomata descrevia Sousa Mendes como alguém mentalmente instável, alegava que ele “não salvou ninguém, porque ninguém estava em perigo de vida” e afirmava que nunca concedera vistos gratuitamente, mas apenas a troco de dinheiro.
As acusações estendiam-se ainda aos descendentes, acusados de usarem indevidamente as verbas do Estado destinadas à compra e reabilitação da Casa do Passal, hoje museu.
As exigências iniciais
Na ação, os netos do cônsul consideravam estas declarações uma grave ofensa à memória de Aristides de Sousa Mendes e à honra da família. Argumentavam também que a negação do perigo vivido pelos judeus configurava uma forma de negação do Holocausto.
Por isso, pediam ao tribunal uma indemnização de cem mil euros, a publicação da sentença com igual destaque mediático e a proibição de futuras declarações semelhantes.
O acordo final
Sete anos depois, o desfecho foi mais modesto: os autores desistiram dos pedidos financeiros e os réus ainda vivos reconheceram que Aristides de Sousa Mendes nunca vendeu vistos e que não existe qualquer indício de que os descendentes tenham desviado verbas públicas.
Quanto a Carlos Fernandes, já falecido, os seus herdeiros declararam nunca ter feito afirmações sobre o cônsul e não possuírem qualquer informação sobre as suas atividades em Bordéus.
Repor a verdade histórica
Para o advogado da família, Afonso Duarte, o essencial foi salvaguardado:
“O mais grave era a perpetuação da propaganda do regime salazarista, que dizia que Aristides tinha vendido vistos e que os refugiados não estavam em perigo. Restabelecer a verdade era fundamental.”
O neto Gerald de Sousa
Mendes sublinha o mesmo:
“O mais importante nunca foi o dinheiro, foi a verdade. Dizer que Aristides vendeu vistos era uma mentira absoluta. Conhecemos mais de quatro mil nomes de beneficiários e nunca ninguém afirmou ter pago.”
Embora não fale em vitória, considera o resultado “um compromisso aceitável”.
Também Francisco Teixeira da Mota, advogado de dois dos réus, defende que o consenso foi a melhor solução:
“O processo arrastava-se, com custos elevados, e um dos principais visados já tinha falecido. Continuar faria pouco sentido.”
