A chamada “nova democracia” apresenta-nos fenómenos políticos que, embora não inteiramente inéditos, adquirem hoje um relevo acrescido. Se outrora os partidos se assemelhavam a clubes desportivos, congregando adeptos incondicionais que se mantinham fiéis até ao fim dos seus dias, o panorama atual é substancialmente distinto.
O voto deixou de ser expressão de pertença vitalícia a uma família ideológica; tornou-se antes exercício de escolha contingente, ditado pela avaliação das circunstâncias, pela desconfiança em relação às estruturas tradicionais ou até pelo mero cálculo pessoal.
Ser de esquerda ou de direita não era apenas uma escolha política, era uma identidade, uma herança, por vezes até uma lealdade transmitida de geração em geração. Hoje, essa lógica parece desvanecer-se. O voto tornou-se num exercício contingente, moldado pelas circunstâncias do momento, pela avaliação pragmática dos candidatos e pela crescente desconfiança nas estruturas partidárias tradicionais.
Esta transformação não se limita ao eleitorado. Os próprios protagonistas da cena política parecem ter interiorizado esta nova lógica. Mudam de partido com uma naturalidade que outrora seria vista como traição ideológica. Surgem em listas rivais, em coligações improváveis ou em projetos autárquicos que reúnem figuras de proveniências partidárias díspares, unidas mais por conveniências locais do que por uma visão política comum.
Este fenómeno pode ser interpretado como sinal de maturidade democrática, o cidadão deixa de votar por hábito ou fidelidade e passa a exigir mais dos seus representantes. Mas também levanta questões preocupantes: estará a política a tornar-se um palco onde se representa conforme o papel que mais convém, em vez de um espaço de compromisso com ideias e valores?
A volatilidade do voto e a mobilidade dos protagonistas políticos são sintomas de uma era marcada pela fragmentação, pela personalização da política e pela erosão das estruturas coletivas. Cabe-nos, enquanto sociedade, decidir se esta nova realidade representa um avanço ou uma deriva.
Tal realidade evidencia uma erosão do vínculo ideológico que tradicionalmente estruturava a democracia representativa. Os partidos, outrora corpos quase místicos de pertença e lealdade, vêem-se transformados em plataformas pragmáticas, utilizadas e abandonadas conforme a conveniência.
Esta nova democracia, se por um lado abre espaço à liberdade individual e ao surgimento de candidaturas independentes, por outro lado corre o risco de banalizar a representação, reduzindo-a a mero expediente instrumental para a conquista do poder.
Resta saber se esta mobilidade partidária e esta proliferação de independentes constituem sinal de maturidade democrática ou, ao invés, prenunciam a diluição da responsabilidade política.
Após as eleições, veremos se a fórmula agora experimentada oferece soluções eficazes para a gestão das autarquias locais, ou se redundará apenas em alianças instáveis e em compromissos de ocasião. A democracia não vive apenas da pluralidade de escolhas, mas também da seriedade dos compromissos. É neste equilíbrio frágil que repousa o seu futuro.
A erosão da fidelidade partidária
