As encenações que empobrecem a sociedade


Agora que a caravana marítima de alegada caridade aos palestinianos em Gaza chegou ao fim, é tempo de fazer avaliação.
Os termos que utilizei na frase anterior são propositados: caravana e caridade. Levar medicamentos, alimentos e todo o tipo de haveres àquela população necessitada, é legítimo. Para todos aqueles que fizeram caridade, sabem que a verdadeira caridade é aquela em que damos algo de nós mesmos, seja tempo, conhecimento, presença, apoio, até a meios materiais necessários à subsistência. A verdadeira caridade, para além disto, é aquela que é exercida com uma vibração de paz, que não julga e que além do suporte material traz as circunstâncias necessárias para que o destinatário da caridade encontre forças para viver as dificuldades que a vida lhe endereçou, independentemente de responsabilidades mais ou menos explícitas. Nada disto se faz sem duas condições: abnegação de si mesmo; cultivo da paz. Estarão estas duas condições presentes na caravana marítima?
Haverá abnegação nesta iniciativa desta caravana marítima? Face a esta questão, desafio aos leitores o seguinte: enumerem o que transportava para oferta esta caravana de barcos e respetivas quantidades (litros, kg, toneladas)? Onde está essa informação? Praticamente não se encontra, para além de um ou outro vídeo de embalagens de garrafa de água. Admito que me possa ter falhado, mas tendo acompanhado os diversos vídeos que surgiram, mais os destaques nos media, praticamente nada encontrei para além da intenção. O mais curioso foi o espetáculo mediático em torno da apreensão dos participantes por parte das autoridades israelitas e nenhuma referência ao destino dado aos alegados víveres e outros dádivas para Gaza. Há aqui abnegação e objetivo sincero de suporte àquelas vítimas de guerra? Naturalmente que não. Houve sim um objetivo político, mais amplo de perturbação, e outro mais concentrado nas circunstâncias dos países de origem dos participantes. No caso português, a presença da deputada única do Bloco de Esquerda (BE) nas barcaças da alegada caridade promoveu um partido que se avizinha da irrelevância e da inconsequência, trazendo para as luzes da ribalta múltiplos membros, afiliados e simpatizantes do BE que não se inibiram de comentar e propagandear o feito da dita deputada. Esta deputada contará sem dúvida com uma medalha simbólica nos anais dos revolucionários de esquerda, ganhando autoridade e mérito aos olhos daqueles que militam na extrema esquerda e até nas esquerdas clássicas portuguesas. E que ganhou com isto os habitantes de Gaza? Absolutamente nada.
E quanto ao cultivo da paz? É tão simples quanto evidente: como se cultiva a paz se no ato de caridade que alegadamente pretendemos efetuar, tentamos ferir tanto quanto possível uma das partes, ainda que seja de forma simbólica? Imaginem separar dois indivíduos que se envolveram numa luta de punhos; tentem agora separá-los acusando um dos outros e tentando pregar-lhe uma rasteira? Naturalmente fazemos parte do conflito. E aqui passa-se o mesmo, com a diferença que há a pretensão de arrastar nações para o conflito direto com Israel. Assinalo que aqui não está em causa culpas das partes envolvidas no conflito: apenas e somente o papel do intermediário que pretende “ajudar”. Falou-se portanto, do plano de paz intermediado por Trump? Falou-se nas condições, na sua aprovação ou não, nos porquês, e futuro de uma solução? Quase nada.
O que se pretendia, e consegui-se, foi a encenação de um espetáculo triste, pela incoerência e falsidade, e vil, pelo aproveitamento do sofrimento alheio de duas partes em conflito desde há muitas décadas.

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