Autárquicas e Médio Oriente


Realizaram-se as autárquicas em Portugal. Realizar-se-ão no Quebec também. As autárquicas são umas eleições algo complexas, pois misturam a personalidade do candidato principal, com a sua proximidade ao eleitorado local, com a visão política nacional que pode influenciar voto de protesto. É arriscado ter uma fórmula rígida e definitiva na análise de eleições autárquicas e deve-se acima de tudo saber ler o momento e o humor – leia-se motivação – por detrás do impulso dos eleitores.
De forma não extraordinária, os eleitores portugueses foram conservadores. Não no sentido político da palavra, mas no sentido de não arriscarem desequilibrar o barco com riscos desnecessários. Não admira portanto que os votos se tenham centrado nos partidos clássicos, com concentração no centro político e redução dos extremos, em particular da esquerda.
O próprio Chega deve ter levado um pequeno abanão: a votação ficou bastante aquém das perspetivas e dos sonhos mais elevados do seu líder, André Ventura, que vive o embalo do impulso das últimas legislativas.
Do lado da esquerda radical e extrema esquerda, mesmo aquela que habita o partido socialista (PS) e vive nostálgica de novos acordos unificadores à esquerda que permitam tornar ainda mais socialista um país que transpira socialismo por todos os poros, estas esquerdas mais extremadas demonstraram o quanto estão afastadas do cidadão comum que votava à esquerda algumas décadas atrás.
Concentradas em nichos de cidadãos com preocupações pontuais e desconectadas entre si e com o cidadão corrente, perdem o norte em afirmações pontuais de uma suposta superioridade moral, desde cedo manchada pela seletividade das causas que abraçam.
Não escapam contudo ao senso moral que habita todos os seres humanos, sobressaindo a facciosidade e incoerência das suas causas. Resultado: o abandono do cidadão.
Como todos os abandonados, este entrega-se àqueles que prometem acolhimento, neste caso as direitas radicais e extremas, que se posicionam imediatamente junto do cidadão capitalizando o vazio causado pelo abandono das esquerdas. A caravana marítima para Gaza é um exemplo fatídico.
As esquerdas nada resolveram, e tudo passou de uma ação política, com patrocínios financeiros duvidosos, sem qualquer resultado prático para além das benesses de um cruzeiro pelo Mediterrâneo.
Para azar – leia-se, desconexão com a realidade – logo um representante populista de direita, talvez a expressão máxima desse movimento na atualidade, logrou para já o repatriamento dos reféns israelitas que estavam nas mãos do Hamas. Mais, conseguiu um acordo, que apesar das múltiplas omissões que levantam dúvidas se terá pernas para andar, é o acordo que reúne mais favoravelmente todos os países da região e as diversas fações, rumo a uma paz duradoura.
Terá sucesso?
Não sabemos, mas esperemos que sim, pois aquela região já merecia paz. Mas a esta hora já ninguém fala em “flotillas” ou cruzeiros humanitários pois a sua irrelevância ficou bem exposta aos olhos do público, para além do que órgãos de comunicação social tendenciosos e de muitos profissionais da comunicação social tentaram apregoar.
Mas há um protesto surdo por parte dos eleitores, pois a ascensão das extremas direitas a nível legislativo revela o logro das políticas seguidas nas últimas décadas.
Enquanto novos jogadores na senda internacional se posicionam, a União Europeia preocupa-se com as caricas de plástico nas garrafas, ou àquilo que devemos chamar bife, se vegetariano ou não.
Este alheamento da realidade associado a uma liderança deficiente resulta na dispersão dos cidadãos primeiro, para depois com o passar do tempo uma insatisfação aguda que resulta na revolta face ao abandono.
Face a novas eleições, neste caso autárquicas, esperemos que as equipas nomeadas pelos eleitores façam jus à missão que lhes é confiada, que se concentrem nas verdadeiras necessidades dos eleitores.
Aqui em Montreal vivemos um apocalipse de inimizade contra as viaturas particulares. Vivemos um abandono também das infraestruturas, um desordenamento do território e uma preocupação com assuntos fora do âmbito municipal.
Os custos aumentam e o cidadão ressente-se pelo aumento de custo de vida em cascata.
A título de exemplo, fiz uma pequena investigação na qual calculei o valor cobrado em impostos num troço da rua em que habito há quase dez anos. Dos imóveis a pagar impostos, das centenas de milhões de dólares pagos neste período de quase dez anos, só agora a rua será verdadeiramente urbanizada face à infraestrutura de cariz industrial que possui originalmente.
Para além de alguns trabalhos de pequena monta pontuais, não mais de dois ou três dias, e da limpeza de neve, nada mais foi feito até agora, que se posicionam para iniciar obra. Qualquer cidadão, mesmo que não tenha feito as contas, percebe olhando para a rua que o valor pago ultrapassa em muito qualquer investimento ou manutenção feitos, ou seja, o retorno é insuficiente.
E noto isso em conversa com os meus vizinhos e conhecidos de outras áreas da metrópole. Em vez de paragonas de defesa dos mais inválidos, que deve-se manter em termos razoáveis e ajustados às necessidades, para quando a atenção necessária aos municípios e seus cidadãos medianos?
Será necessária uma caravana de protesto pelo Saint Laurent para despertar as consciências daqueles que se candidatam?

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *