No ordenamento jurídico português, o Direito Sucessório assume particular relevância pela sua complexidade e pela especial proteção que confere aos herdeiros legitimários, que de acordo com o art.º 2157.º do Código Civil, são o cônjuge, os descendentes e os ascendentes, que têm direito obrigatoriamente a uma parte da herança — chamada de legítima — da qual não podem ser privados, nem mesmo através de testamento.
Assim, relacionado, surge muitas vezes a questão da possibilidade em deserdar filhos através de testamento, que devido ao facto de pôr em causa a manutenção de vínculos familiares e afetivos, deve ser tratada com especial cautela.
Devido à sua complexidade o legislador português tenta assegurar um equilíbrio entre a vontade do testador e os direitos dos herdeiros legitimários, determinando um conjunto de disposições legais que permitem proteger os interesses de ambas as partes.
Neste sentido, para uma aplicação mais justa, não é proibida a existência deste instituto, mas é limitada a sua aplicação a casos excecionais, todos previstos na lei.
Pode deserdar-se um filho nas seguintes situações: Se o filho tiver sido condenado por crime doloso contra a pessoa, bens ou honra do autor da sucessão (falecido), ou do seu cônjuge, descendente, ou ascendente (desde que a pena de prisão aplicada seja superior a seis meses); Se tiver sido condenado por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra as pessoas acima referidas; Se, sem haver justificação, tiver recusado prestar alimentos ao autor da sucessão ou ao seu cônjuge, quando for legalmente obrigado a fazê-lo.
No entanto, importa referir que a deserdação não decorre automaticamente pelo simples facto de uma dessas causas existir e da vontade do autor do testamento; este tem de fazer constar uma declaração expressa de que pretende deserdar no testamento, assim como o motivo concreto para tal.
O filho deserdado tem o direito de impugnar essa deserdação até ao prazo máximo de dois anos a contar da abertura da sucessão, alegando que a causa invocada não ocorreu ou não satisfaz os critérios legais.
Outro mecanismo legal será a ação de incapacidade por indignidade sucessória, não porque a pessoa foi especificamente deserdada, mas porque praticou crimes considerados graves pela lei, que o tornam incapaz de ser herdeiro.
As causas incluem, para além das já referidas: Induzir o autor da sucessão a fazer, revogar ou modificar o testamento, ou impedi-lo disso através de meio doloso ou coação; Subtrair, ocultar, inutilizar, falsificar ou suprimir o testamento, antes ou depois da morte do autor da sucessão.
O prazo para interpor esta ação é de um até dois anos após a abertura da sucessão, conforme a causa. Se a indignidade for apurada numa sentença penal, em particular nos casos de homicídio doloso, essa decisão pode incluir a declaração de indignidade sucessória.
Em suma, a deserdação de um filho em Portugal constitui uma exceção à regra da proteção conferida aos herdeiros legitimários, refletindo a tentativa do legislador em equilibrar a autonomia da vontade do testador com a salvaguarda dos laços familiares e da justiça sucessória.
Pode um pai deserdar o seu filho?
