A liturgia poética de Vítor de Lima Meireles


As leituras de verão possuem sempre um sabor especial, como se a leveza desta estação quente nos proporcionasse uma disposição mais aberta à contemplação. Foi neste estado que me encontrei diante da obra de Vítor de Lima Meireles, poeta e pintor micaelense, cuja expressão criadora se reparte entre a densidade da palavra e a vibração das cores vivas.
Chegaram-me às mãos os seus livros “O Órfico fio que a mão gera” e “partir tarde é chegar nunca” que emprestam não apenas uma sucessão de poemas, mas um mergulho na alma insular, onde a poesia se alia à pintura, num diálogo íntimo e silencioso. Os seus versos são acompanhados de ilustrações impressionistas que desvelam a atmosfera luxuriante e fugidia da ilha e, por outro lado, a meditação sobre o tempo e a finitude que ecoam nos títulos que são já por si uma apreciação filosófica.
Sobre a sua poesia escreveu Natália Correia, numa das mais certeiras formulações críticas: trata-se da expressão de “um ser naufragado no barco imóvel que é a ilha, a comer as trevas da sua solidão”. Há, nestas palavras, uma leitura de fundo existencial, que traduz uma vida confinada ao “insulamento”, onde a geografia se torna num destino traçado. Contudo, é justamente deste naufrágio que a poesia de Vítor de Lima Meireles retira a sua força, como se da prisão desta ilha pudesse nascer uma liberdade interior, feita de brilho e de silêncio.
A leitura da sua obra é uma experiência intensa, porque nos devolve os cheiros das marés e o perfume das neblinas das manhãs açorianas. As suas imagens poéticas são feitas de brumas e clarões, de contrastes que se resolvem numa voz profunda, impregnada de solidão, mas também de celebração. Há nelas uma espécie de liturgia íntima, em que os silêncios se tornam presença e os sonhos não realizados encontram, nos seus poemas, a sua concretização possível.
Ao folhear os livros e apreciar a pintura de Vítor de Lima Meireles leva-nos a um encanto e deleite. Espalhada por organismos públicos e por coleções particulares, a sua pintura revela a mesma atenção à luz e à transitoriedade dos instantes que atravessa a sua poesia. O seu impressionismo não se limita a captar a natureza visível, mas procura antes revelar a alma do lugar, a atmosfera quase mítica que nos envolve nesta pequena grande ilha.
Nestas leituras de verão, ao acompanhar a voz e a as cores das pinturas de Vítor de Lima Meireles, não encontrei apenas um poeta e um pintor, eu encontrei também uma forma de estar no mundo, a de quem, a partir da ilha, constrói um horizonte vasto, capaz de transformar a solidão em matéria de beleza e o silêncio em gesto de comunhão.
Ao ler estes livros, o sol de verão parece mais intenso e a lua ainda mais bisbilhoteira.

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