Toxicodependência nos Açores: tratar para depois abandonar?


Nos Açores, o combate à toxicodependência continua a ser uma luta marcada por avanços tímidos e recuos preocupantes. Embora o Governo Regional invista recursos significativos no tratamento de utentes com dependência de substâncias, há uma falha gritante, no que diz respeito à ausência de um acompanhamento estruturado e contínuo após a fase inicial de tratamento. Em muitos casos, os indivíduos são deixados à sua sorte, regressando a contextos de risco, sem qualquer rede de apoio ou orientação eficaz para a reintegração social.
Está amplamente documentado que a toxicodependência não é apenas uma questão de vontade individual, mas sim uma condição crónica com fortes componentes neurológicas, psicológicas e sociais. Estudos demonstram que o cérebro de uma pessoa dependente sofre alterações profundas nos sistemas de recompensa, motivação e tomada de decisão. Isto significa que a recuperação não termina com a desintoxicação, pois exige um acompanhamento prolongado, apoio psicológico e social, reinserção laboral e estratégias personalizadas para evitar recaídas.
É, portanto, incompreensível que o investimento público não contemple programas de pós-tratamento. A ausência de políticas de continuidade, como programas de emprego assistido ou acompanhamento terapêutico a longo prazo, compromete gravemente o sucesso das intervenções iniciais. Além disso, o estigma social e a fragilidade das redes familiares agravam ainda mais o risco de recaída.
Por outro lado, a prevenção, outro pilar essencial de qualquer política de saúde pública eficaz, continua a ser tratada com displicência. Nos últimos anos, temos assistido ao alarme crescente de casos de consumo entre jovens cada vez mais novos. Este fenómeno não surge do acaso, ele reflete a ausência de campanhas educativas sérias, da presença ativa de técnicos nas escolas e de propostas coerentes e adaptadas às realidades juvenis. Falar de drogas só quando o problema explode é tarde demais.
A toxicodependência é um problema de saúde pública, e deve ser encarado com seriedade. Investir no tratamento e depois abandonar os utentes à margem da sociedade é não só ineficaz como também eticamente reprovável. Da mesma forma, negligenciar a prevenção é permitir que as próximas gerações sejam empurradas para o mesmo ciclo de sofrimento, exclusão e dependência.
A ausência de um acompanhamento estruturado e contínuo após a alta clínica reflete-se num resultado dramático, ou seja, quando existia acompanhamento pós-tratamento, a taxa de sucesso rondava os 40 %; hoje, sem essa rede de apoio, cai para os 12 %. Estes números, por si só, deveriam desencadear um alarme político imediato.
A estratégia regional, porém, continua limitada a ciclos curtos de desabituação, seguidos de uma terra‑de‑ninguém social. Sem casas de transição, programas de emprego e consultas regulares, o risco de recaída dispara prova‑o a descida dos 40 % para 12 %. E cada recaída tem um custo humano e financeiro elevado, como sejam hospitalizações, infeções, inquietação familiar, desemprego e, por vezes, justiça criminal.
A toxicodependência é antes de tudo um problema de saúde pública, não de polícia, nem de moral. Tratar e depois abandonar é desperdiçar dinheiro e vidas é ignorar a prevenção, é empurrar a próxima geração para o mesmo abismo.
Por isso, o nosso alerta: a juventude açoriana merece uma estratégia mais humana e mais responsável, pois tratar não basta, é preciso acompanhar, prevenir e integrar.

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