A violência


Recentemente vi um curto vídeo do ator e comediante inglês John Cleese onde ele, falando sobre os extremistas, enumera os respetivos inimigos que eles próprios assumem.
Não sei se o vídeo é real ou não, mas não sendo importante para o caso é interessante como este ator na sua curta preleção afirma que o inimigo comum que tanto a extrema esquerda como a extrema direita tem são os moderados. Nada mais certo face ao que vemos na Humanidade. Isso acontece pelo acumular de erros, entre os quais o afastamento do Homem de si mesmo, enquanto ser com necessidades que vão além do aumentar o património, ou a necessidade de ir ao encontro do seu semelhante, em harmonia e desenvolvimento interior e exterior.
O assassinato de Charles Kirk, conhecido conferencista conservador nos EUA e um pouco por todo o mundo, chocou a todos pela violência do ato. Chocou a todos pela incapacidade de tolerarmos a opinião alheia, mesmo que nos seja contrária. Os dois polos, por responsabilidade mútua, escolhem a não integração e como resultado advém o fanatismo cego e absurdo, desorientado e desproporcionado pela impossibilidade de encontrar um posicionamento de convivência, o famoso “middle ground” anglófono que a diplomacia emprega tantas vezes. Há também um profundo problema moral que afeta a Humanidade: a incapacidade de se situar em conflitos em que ambas as partes têm responsabilidades por vezes tão similares que o bom senso é incapaz de situar um inocente e um culpado. Aqui os extremos penetram com facilidade: ou é branco ou é preto. Nunca há cinzento. Não pode ser cinzento pois está excluído da “minha” realidade. Ou és esquerda ou és direita. Ou és socialista ou és fascista. Ou és civilizado ou és selvagem. Ou és santo ou és pecador. Ou és a favor ou és contra. Ao ato tresloucado e violento do assassinato de Kirk, o atirador já foi categorizado de esquerda. Ou é transexual, porque saíram notícias que afirmam o atirador viver ou partilhar uma habitação com um transexual. Há que procurar atribuir o catálogo de aspetos inimigos ao atirador para que este possa ser odiado, violentado em praça pública, e por arrasto todos aqueles que partilhem desse catálogo de aspetos inimigos a abater, seja porque incentivo for. É interessante quanto mais religiosos são os propagandistas, mais incoerentes se tornam na sua mensagem. Era fácil concordar em alguns aspetos com Charles Kirk. Este vosso escriba é da opinião que o desequilíbrio de formação moral e ético face ao desenvolvimento tecnológico é uma das raízes da turbulência atual na Humanidade. Mas a moralidade não pode ser imposta violentamente. Quando sou violento com alguém contrário ao meu pensamento, mesmo por palavras somente, a outra parte sente-se atacada e como tal reagirá em consequência. Entrincheirados cada um no fanatismo do seu pensamento toldado emocionalmente, tribal e clubista, cada parte se torna inimiga e parte para o conflito. Não há necessidade. E na religião católica, que por tradição familiar conheço melhor, é lamentável ver a deriva extremista misturando a violência do antigo testamento com a palavra de Jesus, criando incoerências lamentáveis, violentando consciências que assim se sentem completamente excluídas e são desintegradas irremediavelmente. Alguns percebem isto, são os moderados; outros não, e colocam-se de um lado ou de outro da barricada. E sim, as palavras podem incitar violência. A violência pode não ser aquela que está vulgarizada pela proliferação de impropérios, incitação direta ou indireta à violência ou ameaças. Mas é aquela violência pelo empurrar do outro ser humano para a sua exclusão total e irredutível, em que nada tem a perder. Nada tendo a perder, qualquer violência é aceitável porque… nada há a perder. Com isto estou a justificar o homicida? Nada disso. Aquele ato não é aceitável, é indiscutível. Deveríamos aprender com ele. Como chega uma sociedade ao ponto de ter indivíduos que se predispõem a este tipo de ato nestas circunstâncias? Este deveria ser o ponto de partida, em vez de vociferarmos palavras ofensivas, promessas de retribuição ou de anulação de outros sem apelo nem agravo. São gotas de gasolina atiradas à fogueira que queimam a todos.

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