Política, eleições, jornalismo: o impacto na sociedade


Confesso que tinha preparado um apanhado das eleições autárquicas no Québec. Muitos não se apercebem da importância das mesmas no cultivo da participação cívica, não só pela proximidade do poder local junto dos cidadãos, na criação de uma cultura democrática imprescindível à boa condução da “res publica”.
A recondução de alguns líderes de algumas localidades, muitos deles jovens, a mudança em Montréal e a crise de cidadãos com qualidade – sim, arrisco a dizer de qualidade – pelas propostas e comportamentos extravagantes de alguns candidatos em localidades mais afastadas dos principais centros urbanos, são temas que devem merecer a nossa reflexão, atenção e consequentemente participação nos atos eleitorais.
Infelizmente, há um fenómeno que se acentua nas eleições, onde os candidatos falam e insistem em tudo menos naquilo que será do foro específico da função a que se candidatam.
As câmaras municipais – fazendo uma equivalência com a denominação portuguesa – têm múltiplas funções que por vezes parecem distantes dos cidadãos. Por exemplo, explicar aos cidadãos a necessidade de certas obras para o futuro, de prevenção ou não, mas que são invisíveis, não produzem paragonas nos jornais nem entrevistas ou reportagens fotográficas deliciosas para o voyeurismo público e o narcisismo dos implicados. Gerir algo significa sujeitar-se a um certo pragmatismo ao qual muitos candidatos fogem com perdas futuras que os seus egos fingem não compreender. A vertiginosa sequência que vivemos de acontecimentos, contudo, intrometeu-se num campo determinante e transversal da nossa sociedade, tocando gravemente todas as eleições incluindo as autárquicas.
Esse campo é o jornalismo.
Arrisco assim a desviar-me do meu inicial objetivo e focar-me nessa arte que é mais difícil do que à partida parece.
Não é com agrado que se vê desmantelar o edifício do jornalismo sério tal como conhecemos no passado.
Não é também a primeira vez que aponto este problema, contudo a existência de eleições e o acompanhamento das mesmas é o momento certo para realçar a necessidade de qualidade no verdadeiro jornalismo. Naturalmente como em todos os campos da atividade humana há o excelente, há o bom, há o mediano e há o mau. O equilíbrio destes níveis é saudável. Mas quando o mau se sobressai e toma a predominância, aí devemos nos preocupar enquanto cidadãos. Na última semana em Portugal, a saída intempestiva de convidados durante as emissões provocou – a par com o espetáculo para certas audiências – um burburinho desnecessário enquanto que evidente nas suas causas gerais. O caso mais evidente foi o de André Ventura, o apaixonado líder do Chega, candidato à presidência nas eleições do próximo janeiro. Convido o amigo leitor a ver o vídeo da entrevista.
Ou será debate?
Ou será confrontação?
Não sei explicar, e aqui reside o problema.
Este problema estende-se aos jornalistas e à escolha do painel que confunde papéis de cada um dos presentes e o objetivo da emissão. Resultado: um espetáculo pobre, degradante e não informativo. O único resultado foi palco à propaganda de união de revoltosos que secundam o Chega. Aqui o jornalismo falhou redondamente. Mais ainda quando convida uma personalidade, filho do anterior primeiro ministro, sem qualquer crédito de experiência para além do propagandismo habitual.
O jornalista entrevistador foi ainda do mais grave: era jornalista ou participante no debate? Esta confusão de papéis é um erro crasso e afasta cada vez mais o cidadão dos órgãos de comunicação social clássicos.
O enviesamento é evidente.
Porque razão então persistem no erro?
Será que é um problema nas universidades de jornalismo?
Será interesses económicos?
Será tudo isto e mais alguma coisa?
O que sabemos é que a crise se intensifica e o jornalismo perde credibilidade todos os dias deixando o lugar vazio para o crescimento de “jornalistas” que não são nada mais do que propagandistas das áreas de interesse particular.
Com isto perdemos a bússola orientadora da informação pertinente necessária para que o cidadão devidamente informado possa tirar as suas ilações e consequentemente fazer escolhas informadas. Infelizmente o jornalismo atual na sua grande parte não compreende algo que o mais humilde agricultor, mesmo iletrado – e conheci bastantes na minha meninice – sabia de forma inerente à sua arte: passar água limpa por um recipiente com lama apenas acrescenta mais lama e nunca resulta em água limpa!

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *