A recente viragem do presidente americano parando as negociações e aumentando 10% sobre as tarifas já em curso sobre os produtos canadianos exportados para os EUA é revelador da completa falta de vontade de Trump chegar a um acordo equilibrado para ambos os países. Ainda mais revelador pelo motivo aparentemente pueril: um anúncio da parte do Ontário reproduzindo as (verdadeiras) declarações de Ronald Reagan sobre as tarifas em geral. Aqueles que não se deixam envolver pela espuma do quotidiano mediático sabem que o verdadeiro motivo não é aquele.
A verdadeira intenção de Trump é, sem qualquer dúvida, colocar a joelhos o Canadá por forma a apresentar ganhos que não consegue de outra forma pela livre transação comercial que estava implementada até então pelos acordos que deveriam estar em vigor. A longo prazo, a dependência do Canadá seria de tal forma, a penetração e domínio dos EUA na economia sobre o Canadá seriam de tal forma que se tornaria em uma anexação de facto, pelo esmagar económico de um vizinho muito mais possante. É evidente o dilema que o atual governo – e seria o mesmo para outro governo em funções de outra cor política – no que toca a relações comerciais com os EUA. Preso entre o ceder para nunca mais recuperar, ou não ceder e enfrentar um período de ajuste tribulado, são escolhas difíceis cuja sociedade pode não compreender, principalmente na época transacional em que vivemos onde os princípios e a defesa destes estão quase que totalmente arruinados. Aqui é necessária uma liderança forte.
Os avisos estão entretanto lançados: não é ao acaso que o primeiro ministro Carney já referiu várias vezes que a relação com os EUA mudou definitivamente, o que era já não será mais. Ele tem absoluta razão pois a confiança quebrada custa muito a recuperar.
Que resta às empresas canadianas?
A meu ver, essencialmente dois caminhos. Fazer pressão para se ultrapassar barreiras internas interprovinciais. Na preocupação de satisfazer ao máximo de interessados, avançar com qualquer projeto interprovincial torna-se uma missão quase impossível, de resultado incerto ao sabor de encontros e desencontros de interesses por vezes minimalistas face ao impacto final.
À sociedade cabe alinhar nesta pressão para que politicamente coloquemos as prioridades nos seus devidos lugares, para que passemos da política de baixo nível para um sentido de estado mais responsável e holístico que falta face às dissensões e atritos separatistas que nada contribuem para o avanço particular de províncias ou do Canadá como um todo.
O outro caminho é procurar outros mercados, flexibilizar as relações comerciais, estabelecer novas rotas de escoamento de produtos, adaptar a produção interna às necessidades do Canadá e do mundo em geral. Será necessário um trabalho árduo de estabelecimento de confiança, não só a nível comercial como também a nível político. Com a experiência que tenho em transações comerciais além-fronteiras, posso testemunhar que as relações de confiança entre empresas e mesmo entre os profissionais que as representam com os seus congéneres em outros países são fundamentais à fluidez e bom prosseguimento de qualquer relação comercial.
A pergunta que resta é: a consciência desta realidade acima descrita e as ações tomadas no caminho certo livrar-nos-ão do solavanco? Muito provavelmente não. A escolha centra-se em nos vendermos gratuitamente para um ganho imediato e efémero, ou fortalecermos com algum sacrifício para o futuro. Tendo em conta que o acordo, mesmo a ser feito, será talvez um acordo vago e ambíguo e passível de ser destruído a bel-prazer do ocupante da casa branca, qualquer que ele seja, julgo que a escolha certa é evidente.
Qual acordo?
