Uma questão de tempo


O conflito na Palestina desde muito cedo levou à promoção da existência de dois estados.
As diversas modalidades evoluíram desde a existência de múltiplos enclaves ou exclaves até à concentração das comunidades de regime muçulmano em regiões determinadas que conhecemos atualmente, entre as quais Gaza, palco atual de intenso conflito militar depois da atrocidade cometida contra os israelitas a 7 de outubro de 2023.
Julgo que determo-nos no jogo de análise de culpas é estéril, pois ambos os lados têm responsabilidades graves recentes e mais antigas. A realidade é a completa incapacidade de convivência entre estas duas comunidades, independentemente da análise que façamos e das causas que possamos atribuir. A gravidade acentua-se com a pretensão mútua a um território que exclui a outra parte, com a agravante da proliferação de grupos de parte a parte que existem para a erradicação da parte adversária. Sendo a Palestina uma região, pois nunca foi uma nação com uma linha cultural definida particular por ter sido habitada em simultâneo por múltiplos grupos, invadida por muitos outros nunca tendo sido governada por si mesma, acentua-se a dificuldade do estabelecimento de uma solução, que depende do acordo de ambas as partes, dificultada ainda por interesses geoestratégicos de outras nações no Médio Oriente. Este caldeirão de forças em conflito agrava a solução pois o fanatismo natural destas comunidades – e aqui sujeito-me às críticas face aos termos utilizados – regidas por princípios religiosos inamovíveis e, portanto, irreconciliáveis, conduz naturalmente à irremediável incapacidade de execução da solução de dois estados no terreno. Salvo, está claro, à completa recusa de ambas as partes de ideias de eliminação mútua, o que não existe até ao momento. A incursão em Israel a 7 de Outubro foi na pior altura possível para Gaza pois fazê-lo quando a política israelita é liderada por extremistas que veem uma Israel territorialmente unificada com Gaza e Cisjordânia e o afastamento das respetivas populações muçulmanas atuais. O conflito, e a violência deste, eram inevitáveis.
Entretanto diversos países, entre os quais o Canadá e Portugal, reconheceram a existência do estado da Palestina. Sabendo que esta é a solução mais viável, ainda que dependente das partes envolvidas, é a altura certa para o fazer? Não é certo. Muitos avisam da mensagem errada que se dá: se forem suficiente violentos, a vossa vontade será satisfeita.
Que pensarão os curdos, por exemplo?
E outros grupos independentistas? Vemos por exemplo a Escócia, a Catalunha, e mesmo aqui o Quebec e Alberta com ideias independentistas: verão este modelo violento como a solução final aos seus intentos?
Repito: a solução de dois estados é inevitável, o conflito serve apenas para adiá-la. No entanto, reconhecer a Palestina independente imprime uma mensagem que o resto do mundo está a ver e que poderá até resolver o conflito com Israel mas criará um precedente perigoso num mundo de paixões violentas com líderes populistas cada vez menos conectados com princípios e mais conectados em incendiar as paixões mais baixas dos povos que lideram. Fazê-lo sem que o Hamas devolva os restantes prisioneiros, desarme e se dissolva renunciando a toda e qualquer violência, especificamente a eliminação de Israel e do seu povo; fazê-lo sem que Israel pelo seu lado adote disposições que legalmente não permita a proliferação de grupos religiosos, políticos ou sociais que promovam a eliminação de outros povos e comunidades; sem estas premissas o reconhecimento do estado da Palestina pode ser uma inconsequência. E toda a inconsequência em diplomacia paga-se caro, pois revela a irrelevância dos seus promotores. E a irrelevância revela impotência. E a impotência coloca-nos como alvo de predadores.
Se esta iniciativa trouxer a paz, tanto melhor. Oxalá que sim. Mas restam as dúvidas se a altura terá sido a melhor. Não esqueçamos que os princípios, para os chamarmos assim, têm que ser universalmente aplicáveis. Se não, caímos no erro que a Europa historicamente tem cometido e que agora agrava o seu subconsciente. Face a isto, nada nos impede de alinhar com esta iniciativa e de desejar que prevaleça a paz.

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