Tomou posse um novo executivo camarário na Ribeira Grande. Um momento que, sendo protocolar, é também de viragem. Entre promessas eleitorais e expectativas reais, abre-se um novo ciclo político que se quer de esperança, de ambição e, sobretudo, de pragmatismo. As tarefas são muitas, as dificuldades conhecidas, e o tempo para transformar intenções em obras é, como sempre, mais curto do que o calendário autárquico.
Há, neste início de mandato, um ponto que não pode ser ignorado: a Ribeira Grande mudou muito nas últimas décadas. De concelho rural, transformou-se numa autarquia com crescente dinâmica urbana, com novas centralidades económicas e culturais, e com um tecido social que espelha tanto o progresso como as feridas da desigualdade.
Uma das grandes tarefas do novo executivo será lidar com o Plano Diretor Municipal (PDM), esse documento técnico e político que, nos últimos anos, na Ribeira Grande se tornou numa espécie de via sacra burocrática. O PDM é, na teoria, a bússola do desenvolvimento municipal, pois define o que se pode construir, onde e como e orienta a expansão urbana e industrial. Na prática, tem sido, demasiadas vezes, um obstáculo. Um instrumento que, em vez de planear o futuro, o aprisiona.
É imperioso que o novo executivo trate o PDM não como um fardo, mas como um desafio à inteligência e à negociação. O plano deve ser um meio, não um fim. É nele que se joga a capacidade de compatibilizar o desenvolvimento económico com a preservação ambiental, de permitir a habitação acessível sem comprometer a paisagem, de acolher investimento sem descaracterizar o território. O concelho precisa de um PDM que sirva as pessoas.
Outra frente de combate é a política cultural. Nos últimos anos, a Ribeira Grande afirmou-se como palco de grandes festivais de verão, atraindo visitantes e promovendo a imagem jovem do concelho. Esses eventos, com mérito próprio, não pode resumir-se a festivais musicais, por mais brilhantes que sejam as luzes do palco. O verdadeiro desafio cultural está em equilibrar o efémero e o duradouro, em dar tanto espaço à cultura erudita como à popular, à criação contemporânea, como à tradição enraizada nas freguesias.
Urge dinamizar as infraestruturas culturais existentes: o Teatro Ribeiragrandense, o Cine-teatro Mira-Mar, os museus, a Casa da Cultura, e até mesmo o Arquipélago – Centro de Artes Contemporâneas. Estes espaços não podem viver à mercê da agenda sazonal. Precisam de programação regular, de mediação com as escolas, de residências artísticas, de intercâmbio com outros municípios e com as outras ilhas. É tempo de transformar a Ribeira Grande num polo cultural permanente, um lugar onde o público não seja apenas espetador, mas participante. O novo executivo tem aqui a oportunidade de fazer da política cultural um instrumento de coesão e de identidade, algo que não se mede apenas em bilhetes vendidos, mas em orgulho coletivo.
Mas nenhuma estratégia de desenvolvimento será credível se não começar pelo essencial, ou seja, a qualidade de vida dos cidadãos. Há zonas do Município onde ainda persistem carências básicas, como o saneamento integral e a cobertura de águas residuais. É uma realidade que envergonha um concelho que se quer moderno e sustentável. O investimento na rede de saneamento básico não é apenas uma questão de higiene pública. Onde as águas residuais não têm tratamento, há risco ambiental. O novo executivo deve assumir este tema como prioridade absoluta, promovendo a cobertura total do saneamento e assegurar a manutenção das infraestruturas existentes.
A habitação é outro desafio incontornável. Os preços têm subido, impulsionados pelo turismo e pela escassez de oferta. A reabilitação urbana, com incentivos fiscais e programas de arrendamento acessível, deve ser central na estratégia camarária, para que o município não fique na cauda dos apoios do PRR.
Num tempo em que a confiança na política se fragiliza, governar com proximidade é mais do que um lema, é uma necessidade. O executivo camarário deve estar presente nas freguesias, ouvir as populações, criar mecanismos de participação pública e de transparência orçamental. As juntas de freguesia são parceiros essenciais, não meros executores de tarefas menores. Um concelho de dimensão humana como a Ribeira Grande deve fazer da proximidade o seu principal capital político.
O turismo é, inevitavelmente, uma das locomotivas económicas do concelho. Os trilhos pedestres, o património edificado, a gastronomia e as tradições populares são recursos de enorme potencial. A Ribeira Grande não deve ser apenas um destino de passagem, deve ser um território de experiência, onde o visitante sinta o ritmo do lugar e o residente se reconheça naquilo que se mostra ao mundo.
O novo executivo camarário da Ribeira Grande enfrenta uma ingente tarefa, governar equilibrando modernidade e tradição, ambição e prudência. As prioridades estão à vista, ou seja, planeamento urbano, saneamento, cultura, ambiente, habitação, juventude. Mas mais do que planos e relatórios, é preciso vontade política, visão e capacidade de execução.
O governo local não se faz apenas com boas intenções; faz-se com escolhas. Escolher onde investir, onde poupar, o que preservar e o que transformar. O mandato que agora começa será julgado, não pelo número de festivais, mas pelo legado deixado nas infraestruturas e na qualidade de vida. A Ribeira Grande precisa de um executivo que saiba ouvir, decidir e agir. Boa sorte.
Ribeira Grande: um novo ciclo de governação e a urgência das prioridades
